Percepções daqui

Xícara sem café. Cidade sem sentido? Mais um blog sobre catarse da minha própria existência. Quando escrever sobre o cotidiano soa como sobrevivência na cidade onde vivo

segunda-feira, 25 de março de 2019

Dia de roda que fala: 23 de abril

Eu me preparei aberta: quem iria, quantas pessoas?
A roda de conversa foi na praça dos pioneiros, na grama e foi organizada por estudantes de pisicologia da faculdade privada da cidade: meninas inquietas e curiosas, como todas as garotas deveriam ser. Fui convidada para auxiliar e iniciar a discussão. O círculo foi crescendo, crescendo até que as apresentações tiveram que ser feitas com as vozes mais fortes, para que todos pudessem ouvir. Tinha meninos, uns 4; tinha garotinhas novas, uma de 12, outra de 15 anos; algumas de 19, 20 e eu, a mais velha, certamente: uma rapaz ao me dirigir, me chamou de senhora. Uma menina levou a mãe, outras relataram abusos e por isso viram no feminismo um lugar de acolhimento e escuta. Teve questionamentos e muita vontade de aprender. Foi um marco, um momento lindo que mereceu ser registrado aqui, na Direção Paranavaí. 

domingo, 10 de março de 2019

Dia internacional da mulher: para lembrar as lutas e traçar novas conquistas

Artigo publicado no Jornal Diário do Noroeste no dia 08 de março de 2019.

O 08 de março já se estabeleceu como marco nos calendários ao redor do mundo como o dia internacional da mulher, data que tem sido apropriada por campanhas publicitárias que pretendem vender os mais diversos produtos destinados ao gênero feminino, mas que tem origem nos movimentos sociais que denunciam a degradação do status social das mulheres no decorrer da História. Quando se trata do Brasil, não há dúvidas de que esta data precisa ser lembrada, principalmente por conta da realidade das mulheres na sociedade contemporânea, daí ser importante traçar um breve histórico das lutas na defesa dos direitos das mulheres.
As jovens brasileiras tiveram acesso ao ensino superior mais tarde do que os homens (1879) e conquistaram o direito de voto apenas em 1932: tais informações mostram a emancipação social morosa do sexo feminino e, consequentemente, o acesso tardio à cidadania. Da mesma forma, questões ligadas à moralidade e aos costumes patriarcais estipulavam condutas, comportamentos e até profissões adequadas às mulheres. As ‘desajustadas’ eram taxadas com os nomes mais degradantes, palavrões que comumente brotam também nas bocas de outras mulheres, incapazes de perceber que isso as afeta também. Daí a importância da ideia de sororidade, conceito que pretende resgatar a necessária irmandade feminina, ou seja, a união das mulheres para defesa mútua.
A história mostra que o caminho foi longo e árduo, pois não foram poucas as conquistas. No entanto, as estatísticas apontam que temos muitas veredas ainda para percorrer: é altíssimo o índice de mulheres mortas vítimas de violência no Brasil (a lei do feminicídio de 2015 foi uma conquista); mulheres são as mais vulneráveis no tráfico de pessoas; ainda há discrepância salarial entre homens e mulheres na mesma atividade laboral; meninas são mais expostas à violência doméstica e não é menos violenta a criminalização do aborto, que torna a gestação obrigatória. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que 16 milhões de mulheres acima de 16 anos sofreram algum tipo de violência no decorrer de 2018 (agressões virtuais incluídas).  
Por tudo isso o 08 de março é importante, na medida em que deve servir para problematizarmos os dados e as informações sobre a condição das mulheres de hoje. E os números ligados à violência, definitivamente, não são animadores: mulheres são violentadas e mortas ‘como moscas’ no Brasil atual.
Entretanto, um olhar mais apurado pode ilustrar um panorama de esperança: Paranavaí conta com um Conselho Municipal dos Direitos da Mulher atuante, apesar da inexistência de uma Secretaria da Mulher; a cidade tem uma delegada mulher à frente da delegacia da mulher; conta com o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) e ainda com a Patrulha Maria da Penha; o campus da UNESPAR de Paranavaí tem o Núcleo Maria da Penha (NUMAPE), que oferece atendimento jurídico, social e psicológico às mulheres em situação de violência doméstica; todos os campi desta mesma universidade contam com o Núcleo de Educação para as Relações de Gênero (NERG), que realiza debates, eventos e acolhe denúncias de situações de assédio junto ao seu público universitário.
No dia 08 de março mulheres de Paranavaí e região estaremos reunidas em manifestação no calçadão da Getúlio Vargas a partir das 14hrs, juntamente com os adolescentes do Centro da Juventude que organizarão “um paradão” para mostrar a importância da data. Para completar nossa agenda, no dia 20 de março, das 8hrs às 10hrs, no Centro de Conferências da UNESPAR, ocorrerá a palestra com o tema “Desmistificando o Dia Internacional da Mulher” com a Professora da Universidade Estadual de Maringá, Ludmila Castanheira, aberta ao público interessado.
Antes de “comemorar” a feminilidade no dia 8 de março, é preciso pensar o quanto esta mesma feminilidade tem sido interpretada, colocando quase sempre as mulheres num patamar social inferior: não somos o sexo frágil; que esse dia signifique um momento de luta, como tem sido no decorrer da História, e um dia de reflexão para traçarmos novas táticas de ação, até que todas sejamos livres.

Isabela Campoi é professora da UNESPAR, campus de Paranavaí; faz parte do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher e é membro da Marcha Mundial das Mulheres

sábado, 18 de agosto de 2018

Diálogos impertinentes na praça dos Pioneiros

Um segundo depois que me despedi de todos em frente à prefeitura, pensei comigo mesma: o que estou fazendo aqui, que manhã foi essa? Mais um segundo: "Estou no lugar certo!" Estar com a juventude é uma forma de beber na fonte, de estar ligada ao novo, de sofrer e levar influência. Eu não quero parar nunca, do contrário, não serei mais eu.
Onde a vida se faz milagre?
Onde se faz rancor?
Eu me desfaço em sentimentos confusos ao refletir sobre os últimos episódios da minha vida. Os estudantes pararam as palavras de ordem quando o homem segurou no meu braço, dizendo: "É vagabundo!" Eu estava no meio do calçadão, um pouco longe do grupo. Uma das gurias pensou que o homem rancoroso falava deles, de nós, dos manifestantes da praça, mas no diálogo, o vagabundo na boca do reacionário de meia idade era Ciro Gomes como opção de voto, afinal, ele disse que votará no Inominável por falta de opção; isso depois de dizer que o povo não sabe votar: eu disse, mas vc sabe, pretensioso! O eleitor de Bolsonaro ainda é capaz de ouvir. Até quando? Eu não desmerço ninguém, absolutamente, mas não me venha com jargões ignorantes, como este: vagabundo. Espavoridos, dialogamos, mas a expressão corporal revelou o conflito: eu panfletava elegante, distribuindo as ideias dos estudantes: fecharam a biblioteca do campus por falta de funcionário. Quem me ouviu no megafone? Quem sabe de mim nesse lugar de tanta desigualdade? A rua é o meu lugar de catarse, onde primo pelo contato humano e esqueço das mazelas do mundo de mim. Depois da caminhada até o centro da cidade, sem megafone e gritando palavras de ordem à capela, dividimos os ouvidos dos citadinos com um artista de rua: saxofonista. Foi a primeira vez que vi um músico solitário tocando na calçada aqui em Paranavaí: deixei 20 pilas no chapéu, pela música que nos animou no protesto na rua.
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Em casa, o causo com a colega de trabalho ainda me aflige. Eu não quero mais digerir o conflito para além da mesa do bar, como foi ontem com G.:chega! Depois de pedalar com esse tempo seco, o cabelo fica cheio de folhinhas. Vou me limpar de corpo e de alma ouvindo Jorge Drexler no último volume, para regozijo (ou não) da minha vizinhança. O que é tão pequeno não pode me atingir, amém!

Dan dos Santos, daqui.

sábado, 30 de junho de 2018

Um marco da minha vida daqui

Fiquei tanto tempo fora daqui que esqueci a senha. Hoje foi um dia importante: saí de bicicleta num sábado à noite em Paranavaí, como nos velhos tempos de Berlin. Tá fazendo aniversário o desvencilhamento da minha vida de lá, quando tive aportunidade de me estabelecer fora do país, mas longe do sol. Na balança, estou bem: minha latinha de skol na cestinha da bicicleta, o pedal embriagado, as teclas daqui também; porque se quer sempre mais? Eu vi a lua saindo da copa das ávores linda e brilhante, meu pescoço pra cima, tanta gente me ouvindo na mesa do bar que eu escolhi. Eu sempre tive um bar de estimação, e hoje encontrei o meu em Paranavaí depois de 7 anos! Nunca é tarde... Lembro do São Domdom em Niterói. Ou do Ä em Berlin. Ou do Kubischek em Maringá. Meus heróis são Gregório Duduvier, Julian Assange e Edward Snowden, além de Angela Davis, Lula e Marisa Monte. "Não importa de que lado vc esteja, Lula te desperta alguma coisa, tipo Neymar. A diferença que só um deles tirou 40 milhões da miséria e o outro só tirou o pai. Só um deles tá acusado de sonegação fiscal e falsidade ideológica, o outro não." Gregorio Duduvier.

Luzinhas ligadas: vermelha atrás e a piscadinha branca na frente, visitinha de alegria pra L. e 5 latinhas no meu caminho, além de conhecidos da noite, como Biba de Maringá em visita a tia de Paranavaí e que joga lixo no chão, e o casal em conflito: ela não se conforma que o marido de 3 anos vai votar no Bolso: um casamento à mingua... eu fujo dos relacionamentos, apesar de atirar pra lados indesejados... sentir-me desejada anima a alma, mesmo que eu fuja de todos os que possam se apresentar como opressores: não tem como fugir, a opressão é certeira fora do poliamor... amar é sofrer (?). Vivo a minha liberdade: escrever no meu blog sobre Paranavaí, a cidade onde vivo, em pleno sábado, bêbada e às 3 da manhã... Prezeres toscos. Viva la vida!

quinta-feira, 31 de maio de 2018

Visita ao piquete dos caminhoneiros em Paranavaí

Desde que soube, através de imagens, das faixas "Queremos intervenção militar" na paralização dos cominhoneiros posicionados na BR 376, não me animei em me juntar ao movimento. Aí veio o apoio da associação comercial da cidade e pronto, minha antipatia foi selada. Mas a avalanche de notícias, boatos, dramas em forma de textos, áudios e vídeos me provocaram e convidei as pessoas em geral no grupo do ZapZap do meu vereador: duas almas se dispuseram e fomos firmes, dispostos à ouvir, mais do que falar. E sem nenhuma evidência do nosso esquerdismo. Foi muito interessante; primeiro porque conheci J., a figura do Sumaré, tão incrível no grupo e porque revi I., o professor bonitão, ambos da minha laia. Depois porque conheci a realidade daquelas pessoas, que ganham a vida através da estrada. A vida do caminhoneiro contratado é diferente da do autônomo, esses últimos são cerca de 40% dos homens das estradas brasileiras. Ser caminhoneiro é assumir um estilo de vida, é se acostumar com a rotina sem rotina, é se viciar em paisagens: o caminhoneiro é antes de tudo um romântico. Mas ali tinha empresários também; um tem 19 caminhões, outro apenas 3. A diversidade de instâncias sócio econômicas do piquete era tamanha, que não souberam me explicar quem colocou a faixa em defesa da intervenção militar ali: uma delas é uma placa, não faixa! Quando toquei no assunto, muitos me ouviram e não defenderam: pareciam ignorar o significado.
Houve uma ordem de conceitos nesse fenômeno: começou como locaute, passou para greve e dái para paralização. E o governo perdeu o controle e agora assume o uso da força ao dizer que são baderneiros os que permanecem e impedem os que querem trabalhar, baderneiro que pedem intervenção militar.

Quem é capaz de confessar saudades de Lula, o conciliador?!

domingo, 27 de maio de 2018

O casarão da esquina da Pernambuco

Era uma casa térrea, toda ajardinada e presumo que os donos eram orientais. Havia muitas plantas ao redor: quintal, garagem e nos fundos. Estava velha e descuidada, arquitetura dos anos 1970, com cobogós, por exemplo. Já não consigo vizualizar mais essa casa, pois ela foi vendida, demolida e agora o terreno baldio está para alugar (!) Não sei sobre os trâmites todos, mas houve uma placa de vende-se, noutra semana foi tudo abaixo e ontem vi a placa de aluga-se. Por Deus, eu não consigo entender, não entra na minha cabeça: qual a lógica disso? Se fosse caso isolado, até ok, mas isso é a coisa mais comum de acontecer em Paranavaí: são muitos terrenos baldios em áreas nobres frutos de casas grandes demolidas. O trocadilho com a obra de Gilberto Freire não é coincidência. A informação mais preocupante que me chegou esse ano sobre a cidade foi de que 40% dos imóveis estão fechados ou aciosos! Isso mesmo, eu escrevi 40%!!! O que esperar de um município assim? Numa respota rápida, e meramente ilustrativa: alugueis altos, existência de uma elite especulativa e predatória. Isso porque o valor do IPTU de terrenos baldios é mais caro do que de propriedades onde haja construções. Onde estão os jovens filhos da elite? Estão fora daqui e isso pra mim reflete, além de escolhas pessoais que desconheço, a falta de tino pra que a cidade absorva essas pessoas.
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Não é de hoje que lanço a sorte sobre minha permanência aqui. Somado à outras decisões definidas, lanço: se naquela esquina abrir uma farmácia, eis mais um belo chute em mim. O que me mantém aqui é meu trabalho, minha carreira que construí à revelia deste lugar. O nascer e o pôr do sol do MEU apartamento são lindos, entusiasmáticos: amo meu trabalho, minha casa... mas essa cidade dá mostras de que, inadequada a sua "lógica" e modos de operação, não me acolhe, não cola com o que penso ser um lugar para ser socialmente feliz.

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Tucano picado pela mosca azul

Não é de hoje que meu entusiasmo é assolado: tem sido assim, cedo ou tarde, algo provoca fissuras no meu paraíso... meu otimismo presupôs que seria mais fácil.
Quando o ano começou, nova administração municipal, o diálogo com o delegado na política (levamos em mãos uma carta de exigências do Nudes) e só o fato de sermos atendidos, já inflou minhas esperanças. Aí a escolha da equipe da Cultura ter sido deixada nas mãos dos que já estavam envolvidos: artistas e gestores experientes. Foi entusiasmente e o tucano, político de primeira viagem, ganhou um ponto no meu score. Depois o vi no palco, tocando com a orquestra de sopros da cidade, arranjos lindos: mais alguns pontos.
O vacilo: a força da mosca azul de Frei Beto.
Não passou um ano, um mísero ano para que as atitudes exemplares, as ações resqualificassem sua gestão: a mosca azul do poder o teria picado?? As pessoas daqui gostam de falação, pra não dizer fofoca: casos variados vindos das mais diversas fontes diziam horrores do tucaninho e sua gestão. E a mosca azul não tardou a agir. Eis que o discurso todo caiu por terra: uma alienígena da área cultural, mas bem conhecida dos lençóis do gestor, apesar da separação oficial, foi nomeada para um cargo da cultura. É assim que o carro (de boi) anda no interior do nosso Brasil varonil: cedo ou tarde o discurso cai por terra, as circunstâncias revelam as pessoas, o alienígena, tão íntegro e ideal, revela que o caminho mais fácil e nem sempre ético e moral, é a trajetória de todos que chegam lá.
A cidade enfeiada.
Na minha nova vizinhança, vejo horrores estéticos, vejo buracos  e galhos nas calçadas, crateras no asfalto do meu caminho, e uma onda de desânimo me invade, assombrosamente. Eu me desfaço em dores públicas, enquanto a vida privada, vai muito bem, obrigada.
Eu jamais votaria num representante da ave de rapina da política brasileira, mas com meu otimismo nato, um sorriso me nasceu nos lábios: em menos de um ano, em menos de um ano e meus sentimentos sobre o eleito pra cuidar desse lugar mudou tanto.
A cidade nunca deixou de ser feia (me permitam a metáfora, por favor...)